quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

A Advocacia no Simples Nacional


Na última postagem do ano de 2015, uma deferência à advocacia.

Com a edição da Lei Complementar nº 147/2014, a prestação de serviços advocatícios foi incluída no Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, o Simples Nacional.

Com isso, as dúvidas acerca de eventual constituição de sociedade profissional e adesão ao Simples Nacional passaram a centralizar as discussões.

Assim, nessa postagem, alguns pontos relevantes serão enfrentados, sem a pretensão de esgotar ou aprofundar a temática. 

Pois bem. Conjecturemos.

Havendo deliberado pela constituição de sociedade profissional, os colegas deparar-se-ão, primordialmente, com dois modelos de tributação da renda: o lucro real e o lucro presumido, ambos com períodos de apuração trimestral, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano calendário.

Considerando que para a atividade de prestação de serviços advocatícios o coeficiente de presunção (índice aplicado para a determinação da base de cálculo do imposto), na hipótese do lucro presumido, é de 32%, temos que, se para cada R$ 1 de receita corresponder menos de R$ 0,68 de despesa, a apuração do IRPJ pelo lucro presumido será mais vantajosa que a apuração pelo lucro real (lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações previstas na legislação fiscal).

Superado o ponto, e considerando que a imensa maioria das sociedades de advogados enquadrar-se-ão nas possibilidades de apuração do IRPJ pelo lucro presumido (receita bruta inferior ao limite de R$ 78 milhões anuais ou R$ 6,5 milhões multiplicados pelo número de meses do ano calendário anterior, conforme Lei nº 12.814/2013), passo aos conceitos referentes a tal regime.

A opção pelo regime de apuração do IRPJ é definitiva para todo o ano-calendário, e é manifestada com o pagamento da primeira ou única quota do imposto devido correspondente ao primeiro período de apuração do ano calendário.

Como já referido, a base de cálculo do imposto sobre a renda será determinada com a aplicação do coeficiente de presunção de 32% sobre a receita bruta auferida (sem deduções, portanto, com exceção ao imposto já recolhido ou retido na fonte).

Sobre a base de cálculo determinada (presunção de lucro), aplica-se a alíquota de 15% para se encontrar os valores a serem recolhidos aos cofres públicos, a título de imposto sobre a renda.

No entanto, a parcela da base de cálculo que exceder a R$ 60 mil trimestrais ficará sujeita ao adicional do imposto sobre a renda à alíquota de 10% (Decreto nº 3000/1999, artigo 542).  

Para além do IRPJ, a pessoa jurídica deverá recolher ao erário a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujo regime seguirá o eleito para o cálculo do IRPJ.

Conforme a Lei nº 10.684/2003, a base de cálculo da CSLL corresponderá a 32% da receita bruta. Sobre o resultado, aplica-se a alíquota de 9% para que se determine os valores da CSLL a serem recolhidos.

Em decorrência da opção pelo lucro presumido, a pessoa jurídica deverá apurar a contribuição para o PIS e a COFINS pelo regime cumulativo – ou seja, sem a possibilidade de deduções -, cujas alíquotas são de 0,65% e 3%, respectivamente, a incidir sobre o faturamento (resultado da atividade principal).

Ademais, a contribuição previdenciária patronal (CPP) sobre a remuneração, devida ou creditada, do segurado empregado possui alíquota de 20%.

Some-se a isso as contribuições a terceiros, no importe de 5,8% e 1% referente ao financiamento do benefício previsto nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (RAT).

No que diz respeito ao ISSQN, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem assegurado o recolhimento mensal com base em valor fixo por profissional habilitado, na forma do Decreto-Lei nº 406/1968.

Assim, com relação à apuração do IRPJ pelo lucro presumido temos, em síntese:


TRIBUTO
BASE DE CÁLCULO
ALÍQUOTA
IRPJ
Receita (renda)
4,8% (15% de 32%) + adicional
CSLL
Receita (renda)
2,88% (9% de 32%)
PIS
Faturamento
0,65%
COFINS
Faturamento
3%
CPP
Remuneração
20%
Contribuições a terceiros
Remuneração
5,8%
RAT
Remuneração
1%
ISSQN
Valor fixo
Valor fixo


Com relação ao Simples Nacional, as sociedades já constituídas devem aderir ao regime até o último dia útil do mês de janeiro/2016.

Por seu turno, as novas sociedades possuem o prazo de 30 dias para a solicitação de adesão, a contar do deferimento da inscrição municipal, não podendo haver decorrido 180 dias da inscrição do CNPJ.  

Com a adesão ao Simples Nacional, cujo regime é unificado, as alíquotas são aquelas constantes do anexo IV, da Lei Complementar nº 123/2006, iniciando-se em 4,5%, para os casos em que a receita bruta anual limite-se a R$ 180.000,00.

O recolhimento dos tributos, por sua vez, é mensal.

No entanto, em que pese a euforia com a possibilidade de inscrição no Simples Nacional (inclusive para as sociedades individuais de advogados; possibilidade sujeita à sanção presidencial), fato é que a adesão ao regime unificado pode não ser benéfica, sobretudo no caso de profissionais cuja receita seja igual ou inferior à primeira faixa da tabela do IRPF (faixa de isenção).

Isso porque a tributação da renda não alcança o mínimo vital (hoje estabelecido em R$ 1.903,98), em se tratando de IRPF.

Contudo, tal isenção não subsiste em se tratando de pessoa jurídica, que deverá recolher aos cofres públicos os tributos referentes à sua receita, sem a possibilidade de exoneração de parcela.

Em qualquer das hipóteses (lucro presumido ou adesão ao Simples Nacional), os lucros distribuídos aos sócios não se sujeitam à contribuição previdenciária ou ao IRPJ.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A fraude à execução sob as perspectivas do novo Código de Processo Civil e do Código Tributário Nacional


O Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 593, dispõe a respeito da fraude à execução, afirmando considerar-se como tal a alienação ou oneração de bens (I) quando sobre eles pender ação fundada em direito real; (II) quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; e (III) nos demais casos expressos em lei.

Para a configuração da primeira hipótese, imprescindível a precedente existência de demanda judicial com citação válida (STJ, REsp 1067216). Por seu turno, na hipótese segunda pressupõe-se duas condições para tanto: a litispendência e a insolvabilidade.


Ao contrário da fraude contra credores, que atinge interesses privados, a fraude à execução afronta a própria atividade jurisdicional do Estado, constituindo ato atentatório à dignidade da justiça, como bem preceitua o artigo 600 do CPC.


De acordo com Humberto Theodoro Júnior, o ato de disposição fraudulento, no curso do processo, é considerado ineficaz ante o exequente. Assim, não se tratando de ato nulo ou anulável (mas, ineficaz), o negócio jurídico fraudulento gera pleno efeito entre alienante e adquirente, mas não poderá ser oposto ao exequente.


Muito embora parte da doutrina entenda indiferente à configuração da fraude à execução o consilium fraudis (elemento subjetivo), o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (SSTJ 375).


Mas a presunção de boa-fé do adquirente não é absoluta. 


Nesse sentido, o STJ deliberou a respeito do ônus da prova que recai sobre o adquirente de imóvel, que deve demonstrar a adoção de medidas de cautela necessárias para a aquisição segura da propriedade (certidões negativas, p. ex.).  

No âmbito do novo Código de Processo Civil, o instituto da fraude à execução é tratado em seu artigo 792, apresentando novas hipóteses para a sua configuração, a saber: 

(Iquando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

(II) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

(III) quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

(IV) quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

(V) nos demais casos expressos em lei.

No entanto, o novo CPC faz recair sobre o terceiro adquirente o ônus de provar que, em caso de aquisição de bem não sujeito a registro, adotou as cautelas necessárias para a aquisição, "mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem", devendo ser intimado, antes de ser declarado pelo Juízo a fraude à execução, para a oposição de embargos de terceiro, no prazo de 15 dias. 

Contudo, a respeito da temática, diversa é a disposição do Código Tributário Nacional (CTN). Conforme o seu artigo 185, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou o seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Por disposição expressa, tal norma não se aplica na hipótese de reserva, pelo devedor, de bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita (parágrafo único). 

Como se vê, a norma constante do parágrafo único do artigo 185 do CTN imputa ao devedor o ônus de comprovar a existência de reserva de bens ou rendas, ou de que a notificação da inscrição em dívida ativa ocorreu após a celebração do negócio jurídico.

Em sua redação original, a norma inserta no artigo 185 do CTN exigia o início da fase de execução para a configuração da fraude. Com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 118/2005, passou-se a exigir tão somente a inscrição em dívida ativa (etapa anterior ao ajuizamento da ação executiva).  

A presunção de fraude na alienação de bens (que condiciona-se à situação de insolvabilidade) é uma garantia do crédito tributário, sendo mesmo absoluta.

Mas, em sendo regramentos diversos, qual norma a ser aplicada no âmbito no Direito Tributário?

O Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões, tem declarado a aplicabilidade da norma constante do artigo 185 do CTN, em se tratando de ações fiscais, em detrimento da norma geral. 

No caso, temos que o brocardo romano lex generalis non derogat legi speciali assegura o princípio da especialidade, pouco importando, para o Direito Tributário, a norma introduzida pelo novo Código de Processo Civil, ou mesmo a dicção do artigo 593 do atual CPC.

A fraude à execução, no âmbito do Direito Tributário, comporta disciplina específica.

Logo, nem mesmo o entendimento sumulado pelo STJ (súmula 375) pode ser aplicado aos executivos ficais.